Provavelmente todas as 50 maiores empresas americanas tem bons fundamentos, ou pelo menos quase todas. Se investir bem fosse tão simples quanto selecionar boas empresas, a vida de todo investir estaria resolvida investindo em ETFs. Eu sou total a favor dos ETFs e acho que é o ideal para investidores passivos, aqueles que não tem muito tempo para avaliar o mercado e acompanhar as empresas. Ninguém precisa entender absolutamente nada de mercado de ações, nem gastar um segundo do dia com análises e estudos para ser um investidor mediano. Basta ir direto nos ETFs.
No entanto, é impressionante o número de pessoas que gastam horas do seu dia fazendo análises e investindo em cursos para simplesmente fazer a “mágica” de encontrar bons ativos, quando na verdade elas estão aí espalhadas aos montes diante de nossos olhos (ok, no Brasil nem tanto, rs). Como eu costumo dizer: “De empresas boas o mundo está cheio. De empresas boas e baratas o mundo está escasso”.
A parte mais trabalhosa é justamente você ir além da conclusão de ser uma empresa boa ou não, é conseguir encontrar um gap entre o valor justo da empresa e o valor de mercado atual, é aí que a magia acontece. E não venha com essa de mercado eficiente. O mercado eficiente pressupõe por exemplo que todos os investidores têm as mesmas informações disponíveis a respeito de uma empresa. É bem verdade que 90% das informações são acessíveis ao investidor, ainda mais hoje em dia na era digital. Porém, nem todos os investidores têm a mesma percepção sobre a mesma empresa, só isso já é suficiente para gerar assimetrias.
Exemplo prático: até que a Magalu chegasse a ser negociada à 1 real, a maior parte dos investidores tinham uma percepção negativa em relação à empresa, então houve uma forte pressão vendedora dos pessimistas até que ela chegasse à 1 real. No entanto, do outra lado (o lado comprador) existiam investidores que tinham uma percepção positiva sobre a empresa, estudaram ela à fundo e chegaram à conclusão de que a gestão do Frederico Trajano estava fazendo um bom trabalho e que a empresa iria se recuperar. As informações disponíveis são as mesmas, mas a maioria não se deu o trabalho de analisar o cenário de forma mais profunda.
A verdade é que você não quer se debruçar sobre os balanços financeiros, avaliar o cenário do setor e os planos de crescimento da empresa para simplesmente chegar à conclusão de que a empresa é boa e colocar o seu dinheiro lá. Isso pode sim ser suficiente para você ser bem-sucedido no seu investimento, ou seja, lucrar com a valorização e os dividendos ao longo do tempo.
Mas não é só isso que queremos. Nós queremos ter um rendimento acima da média (acima do índice), é para isso que estamos nos esforçando. Caso contrário estaríamos no ETF e sobraria mais tempo para nossos hobbies e curtir a família, certo? Existem excelentes gestores de fundos por aí, mas o fato deles cobrarem altas taxas administrativa e de performance, dificulta a vida deles de entregarem sempre um resultado extraordinário que compense todas essas taxas. Essa é a grande vantagem de se aventurar como investidor individual, além do fato de você acabar desenvolvendo novas habilidades e conhecimentos durante a jornada.
Quando você está avaliando uma empresa de crescimento, precisa ver se ela é realmente capaz de entregar o crescimento que compense pagar o valor de mercado atual (altos múltiplos). Quando você avalia uma empresa turnaround, quer saber se o potencial de valorização compensa o risco que está tomando. Queremos estudar à fundo e entender se ela de fato pode se tornar lucrativa de novo. Já se estamos falando de uma empresa estável e boa pagadora de dividendos, queremos saber se ela será capaz de manter sua alta previsibilidade de caixa pelos próximos anos e continuar pagando um bom dividend yield que te dê um retorno acima da média. Para tudo isso o preço importa, não interessa qual é a sua estratégia.
Se você não se importa com rentabilidade, então esqueça tudo o que eu disse, vá ser feliz e continue enganando a si mesmo achando que o seu tempo está sendo bem gasto com análises. Aliás, já reparou que as pessoas que não se importam com preço geralmente não mensuram a rentabilidade da carteira ao longo do tempo. Quando você pergunta a elas sobre os investimentos, a resposta é padrão: “está indo bem, com meus aportes regulares e investindo em boas empresas, meu patrimônio já saiu de tanto e foi pra tanto”. Acho que eles têm medo de chegar à conclusão de que perderam muito tempo da vida deles fazendo análises por nada.
Vou te dar um exemplo de como isso acontece isso na prática:
Em nosso cenário hipotético nós temos dois investidores: João, que se importa em investir em bons ativos sendo negociados por um ótimo preço. E Sérgio, que apenas se preocupa em continuar fazendo aportes em boas empresas. Vamos supor também que ambos gostam dos fundamentos da Apple.
Veja que ambos têm consciência de que é muito provável que a Apple continue gerando valor ao acionista por longos anos, através de dividendos, programas de recompra de ações e valorização da ação. No entanto, João concluiu que a Apple está encontrando dificuldade de manter o forte crescimento do passado e que os lucros provavelmente irão crescer mais lentamente a partir de agora. Tendo atingido o tamanho que ela tem hoje, fica realmente mais difícil apresentar crescimento expressivo.
A própria Apple já revelou aos acionistas a intenção de usar o caixa para pagar dividendos e recomprar ações. Diante do cenário, João também concluiu que não seria justo pagar mais do que 15 vezes o lucro anual da Apple, caso contrário reduziria bastante o potencial de ganho de capital, bem como ele teria um baixo dividend yield. Ele pensou: “vou continuar a fazer aportes até esse limite, a partir daí eu vou encontrar outra boa empresa que está sendo negociada abaixo do valor justo”.
Em dezembro de 2018 surgiu uma excelente oportunidade de João realizar aportes na Apple, visto que uma histeria causada no mercado, derrubou as ações da Apple para um valor de mercado que representava apenas 10 vezes o lucro líquido anual. João não perdeu tempo e começou a comprar ações da Apple com frequência. Enquanto isso, o Sérgio comprava ações da Apple com preços aleatórios ao longo do tempo. As ações da Apple se valorizaram rapidamente e logo João parou de realizar novos aportes, porém, encontrou uma outra excelente empresa com preço muito descontado para direcionar seus novos investimentos.
Hoje a Apple já está sendo negociada à 26x o lucro anual, com lucro líquido crescendo cerca de 5% ao ano. Então quer dizer que João se deu mal por parar de fazer aportes na Apple? Claro que não! Talvez a nova empresa que ele direcionou os novos aportes tenha se valorizado até mais do que isso. Ou talvez não. O fato é que ele não está preocupado com o que o mercado acha que a empresa vale hoje, mas sim daqui anos. Ele tem a plena consciência de que está fazendo novos aportes numa excelente empresa que apresenta uma alta margem de segurança, um alto potencial de valorização e um gordo dividend yield.
Nos últimos 5 anos o múltiplo Preço/Lucro da Apple chegou à um máximo de 26 (estamos exatamente na máxima nesse momento) e um mínimo de 10. A média foi 15. Em nosso cenário nós vamos supor que o valor justo da Apple seja um Preço/Lucro de 20 (o que já seria bem acima da média) e que o mercado irá precificar em torno disso nos próximos 10 anos.
Supondo que a Apple consiga crescer 5% ao ano nos próximos 10 anos e sabendo também que no longo prazo o preço de uma ação segue o crescimento dos lucros, a Apple teria um potencial de valorização aproximado de 48% (com base no valor de mercado atual). A Apple também irá recomprar ações ao longo desse caminho e isso elevará o Lucro por Ação. Vamos considerar isso em nossa análise e supor que ela recompre 20% de todas as ações em circulação. Dessa forma o potencial de valorização subiria para 60%. O investidor ainda receberia um dividend yield aproximado de 2% ao ano.
Preço da ação da Apple hoje: 318 dólares
Preço da ação da Apple em dezembro de 2018: 148 dólares
Suposto preço da ação da Apple daqui 10 anos, com base no crescimento dos lucros: 509 dólres (318 x 1,6)
Ao longo desse tempo Sérgio conseguiu aproveitar o bom preço de dezembro de 2018 (não que ele se importasse com isso), mas também investiu quando a ação estava sendo negociado à 26 vezes o lucro. Ou seja, para cada dólar que ele investisse na Apple com Preço/Lucro de 26, ele ganharia apenas 60% de rentabilidade em 10 anos (sem contar dividendos).
Já o João, que tinha uma meta bem definida de aportes para que ele atingisse uma boa rentabilidade no longo prazo, conseguiu um rendimento de 244% (sem contar os dividendos) para cada real investido na Apple em dezembro de 2018. Como ele parou de fazer aportes quando atingiu o valor que considerava justo, ficou com um alto rendimento médio. Já o Sérgio, mesmo que tivesse conseguido aproveitar o curto período de preço baixo, fez a maior parte dos aportes com um Preço/Lucro acima de 20, o que fez com o rendimento médio ficasse medíocre quando comparado ao de João.
Espero que tenham gostado da narrativa e que fique a lição de que somente investir em boas empresas não é o suficiente, que é preciso ir além e enxergar a assimetria entre preço e valor justo quando a maioria das pessoas não está disposta a procurar.