fbpx

O que eu aprendi sobre gestão

Roberto Coutinho

“Não sei se vocês sabem, mas eu dava consultoria de gestão pra pequenas empresas. Minha segunda paixão depois de mercado financeiro é gestão de empresas”.
 

Um dos primeiros “cobaias” das minhas loucuras foi meu amigo Daniel, um dos poucos caras que acreditavam no meu potencial ainda na época de faculdade. Ajudei ele em várias situações na jornada do empreendedorismo.

Esse meu amigo Daniel sempre foi empreender, estudamos junto na engenharia de produção e tínhamos um pensamento muito parecido sobre como as coisas deveriam ser feitas. Já vendeu de tudo na vida e depois foi virar fazendeiro. A família toda dele é ligada a essa área de agronegócios. Fui uma espécie de mentor para ele.

A gente estudava gestão igual um maluco, lia todos os livros do Vicente Falconi, Jim Collins, lia sobre a cultura das empresas do Jorge Paulo Lemann. Sabíamos que a faculdade não iria dar a base que a gente precisava, queríamos ver o que os melhores do mundo faziam na prática e não ficar estudando livros acadêmicos. Não deixa de ser importante, mas não é o primordial na minha visão.

Eu trabalhei um tempo na Petrobras, no setor de suprimentos e fazia compras lá. Lembro que quando cheguei naquele prédio do tamanho de um dinossauro eu me senti pequeno, mas depois que comecei a trabalhar percebi que a gestão era fraca demais, senti que eu podia ajudar muito. Os departamentos tinham muitas lacunas e se conversavam pouco. Os processos já chegavam quadrados na nossa mesa. Essa é a parte dura de corporações grandes, cheias de processos redundantes e ineficientes, na maioria dos casos. Logo descobri que nossas metas estavam baseadas em quantidade de compra, tínhamos um processo bem arcaico de verificar as cotações com base em compras passadas. Não demorou muito a perceber que nosso setor era uma máquina de jogar dinheiro pela janela. Imagina você contratar uma pessoa e dizer a ela que a única coisa que tem que se preocupar é comprar o máximo que puder, o critério preço deveria ser o último da fila de importância. Além de não termos nenhuma meta relacionada a custos de aquisição. Certamente a pessoa vai sair comprando material igual um louco e o custo da empresa vai lá nas alturas.

Outra coisa de se trabalhar em grandes corporações é que você, lá na base da pirâmide, não consegue fazer nada se seu chefe imediato não abraçar a causa. Eu tentei por diversas vezes alertar meus gestores que jogaríamos nosso tempo e dinheiro no lixo com falhas gravíssimas de processos. Para você ter ideia 1/3 dos nossos processos de compra eram refeitos. No fim das contas saí de lá depois de 3 anos com o aprendizado de como não se gerenciar uma empresa.

Antes de ir para Petrobras eu trabalhei numa empresa pequena, eu era bartender mas também cuidava um pouco da gestão da empresa. A pegada é total diferente quando se trabalha ao lado do dono da empresa, eu fico feliz de ter vivido as duas coisas nessa vida, foi importante para meu crescimento.

Voltando ao meu amigo Daniel, eu estava o ajudando a estruturar uma empresa que ele tinha de fabricação e distribuição de produtos para lojas de presentes. A primeira coisa que a gente fez foi pegar livros que ensinavam sobre contratação de pessoas, jogamos tudo no lixo, não faziam sentido nenhum para nós aquele modo de se contratar pessoas. Fomos buscar informações sobre como as empresas de cultura forte em pessoas contratavam, lemos livro sobre Google, empresas brasileiras, de tudo. Aos poucos foi se encaixando uma forma mais adequada à nossa realidade de empresa pequena. Mas sabíamos que independentemente do tamanho da empresa, queríamos pessoas que tinham determinadas características e valores que considerávamos essenciais. A partir daí criamos nosso próprio processo de contratação.

Depois da passagem pelo varejo o Daniel virou fazendeiro e a gente conversava muito no começo, ele me pedia opinião sobre como conduzir as coisas. Eu pensei, bom, não sei nada de fazenda, mas vamos ver o que conseguimos fazer aplicando nossos métodos. A base do método ensinada por Falconi é a mesma independente da empresa. Lembro que aconteceu uma situação no mínimo inusitada e que me lembrou muito a bolsa de valores. As fazendas produziam café e logo de cara ele pegou uma fase boa do preço do café subindo sem parar. Como ele ainda era inexperiente, ele conversava com diversos outros produtores da região para aprender mais e os caras estavam empolgadas com a euforia da escalada de preços e insistiam com Daniel de que ele deveria segurar estoque para pegar preços ainda melhores no futuro, pois continuaria a subir. Nesse dia ele me ligou e falou: “Roberto, qual sua opinião?”. Eu disse: “Não tenho opinião nenhuma, mas os números vão te dar a resposta. Faz o seguinte, eu quero que você consiga os dados do histórico do preço do café de pelo menos dos últimos 10 anos”. O que eu fiz: joguei os dados numa planilha Excel, fiz uma análise da curva de Gauss e conclui que aquele preço atual, estatisticamente falando, não se manteria por muito tempo, pois a faixa de preço praticada já estava na ponta da cauda da curva de Gauss. Ainda bem que ele me escutou e vendeu tudo, de lá para cá os preços só fizeram cair. O racional do ser humano é muito previsível e emocional, estava na cara que a opinião dos fazendeiros estava completamente baseada num viés de otimismo, assim como acontece na bolsa de valores. Ninguém estava se baseando em dados para chagar aquela conclusão, eram somente palpites.

Bom, voltando a falar dos desafios da gestão da fazenda, lá não havia indicadores, não tinha registros de quase nada. Ele teve que colocar tudo em dia para começar a ter os primeiros dados para trabalhar em cima e fazer as melhorias, encontrar os gaps. Teve problema de turnover (ainda tem), custo alto de mão-de-obra, mudou o gerente, enfim, fez uma geral na empresa.

Ele contratou um garoto novo chamado Mateus, que não tinha experiência com gestão de nada, foi uma atitude audaciosa mas que deu muito certo. Ele pensou: “vou treinar alguém sem vício, cheio de energia e vou ensinar como se faz gestão do meu jeito”. O garoto hoje está voando. Ele faz isso com outras pessoas também depois, está se tornando uma máquina de formar líderes.

Hoje conversamos no telefone por uma hora. Ele me disse: “Roberto, tem muita gente na minha região que quer crescer mas não tem como, porque os caras não preparam a empresa pra crescer.” A pior coisa que tem é você querer crescer desornado, vai desperdiçar muito dinheiro, as margens do seu negócio vão despencar. O que mais você tem que cuidar na sua empresa são pessoas, eles são os resultados em si. Crescer em termos de estrutura física é fácil: você injeta dinheiro, compra estoque, máquinas, aluga um espaço novo, esse problema você resolve num piscar de olhos. Agora eu quero ver você resolver o problema de conseguir ter um exército de gente boa. Você precisa desde sempre formar líderes para que eles assumam cargos importantes quando for necessário. Trazer gente de fora nem sempre resolve, as empresas têm culturas diferentes e não se acha tanta gente boa disponível no mercado de trabalho facilmente, ainda mais se a economia estiver indo bem e todos empregados. Imagine a dificuldade de se encontrar pessoas diferenciadas na região onde fica a fazenda, no interior do Espírito Santo, onde há baixo nível de escolaridade.

Outra coisa muito importante que aprendemos juntos quebrando cabeça é que não dá para aplicar 100% do que se é ensinado nos livros como se fosse uma receita de bolo, mesmo que estivesse vindo do Vicente Falconi, Jim Collins ou Lemann. A gente demorou um tempo para perceber que algumas coisas precisavam ser adaptadas à realidade dele. Acaba sendo na base do teste, acertando e errando até encontrar a melhor solução.

No final da nossa conversa de hoje nós chegamos à conclusão de que a parte mais gratificante de se gerir uma empresa é ver a evolução das pessoas com quem você trabalha e saber que você contribuiu naquele processo. Isso não tem preço que pague.

Roberto Coutinho Machado

Compartilhar