Como alguns de vocês devem saber, no início da carreira Buffett ele era um value investor que seguia ensinamentos de Benjamin Graham. Então ele passava a procurar empresas que valiam menos do que tinham em caixa, ou com Preço/Lucro muito baixo, ou negociadas abaixo do patrimônio líquido e assim por diante.
Ele não se importava tanto com a qualidade do negócio e/ou dos gestores. Talvez porque ele não tivesse interesse em carregar essas ações pra longo prazo, mas sim aproveitar a ineficiência de preço no curto/médio prazo. Mais tarde, influenciado por seu sócio Charlie Munger, eles passaram a procurar empresas de qualidade que eram negociadas abaixo do valor justo, mas sem se prenderem as técnicas utilizadas por Buffett até então.
A empresa até poderia não ter um Preço/Lucro baixo, mas se eles percebessem que o negócio tinha altíssima qualidade, uma boa equipe executiva e que poderia multiplicar de tamanho muitas vezes, faria sentido comprar esse negócio, mesmo que a gordura de margem de segurança não fosse não alta quanto se costumava procurar anteriormente. Afinal, é muito difícil um negócio de altíssima qualidade ser negociado a preço de banana.
Mas como será que Buffett calculava o valor justo desse negócio? Será que ele fazia várias projeções de fluxo de caixa numa planilha Excel e trazia a valor presente descontados por uma taxa de desconto? Pouco provável, já que antigamente nem existiam computadores e depois que o computador foi inventado, Buffett nem mesmo gostava deles.
Será então que ele pedia ajuda de seus analistas para fazer essas contas? Também acho pouco provável. Se você ler as cartas que Buffett escreveu aos acionistas ao longo do tempo, em várias delas ele usa contas de ensino fundamental para concluir se o negócio estava sendo negociado por um valor justo. Ele e Charlie Munger já criticaram em público diversas vezes, o valuation por fluxo de caixa descontado.
Primeiro de tudo nós temos que tirar da nossa cabeça que tudo no mercado acionário gira em torno do valuation. O que mais se gasta tempo é na análise qualitativa do negócio. A tarefa mais difícil de um investidor de longo prazo é ter um faro apurado o suficiente para descobrir se o negócio tem uma vantagem competitiva que será duradoura e que a permitirá ser altamente lucrativa e gerar muito caixa durante décadas. E isso Buffett e Munger fazem como poucos.
Uma vez que você tenha acertado sobre a qualidade (e manutenção dessa qualidade no longo prazo) do negócio, fazer conta passa a ser a tarefa mais fácil. Buffett só precisa olhar para os indicadores de rentabilidade da empresa, comparar com o preço atual do negócio e ver se o retorno é capaz se entregar um resultado melhor do que outros ativos geradores de caixa.
Buffett, durante vários momentos nas cartas escritas, gosta de comparar o retorno esperado das ações, com os retornos que seriam obtidos com títulos de dívida. A isso dá-se o nome de custo de oportunidade. É você escolher uma coisa em detrimento de outras, visto que o retorno esperado lhe parece superior a qualquer alternativa. Se ele percebe que esses 3 métricas (pode usar outras métricas também em conjunto) oferecem taxas de retornos consideravelmente superiores aos retornos oferecidos pelos títulos de dívida, isso já é suficiente pra ele considerar que existe uma boa margem de segurança na compra do negócio.
Vamos a um exemplo prático de como Buffett poderia fazer isso.
Ele poderia olhar para métricas como: CFROI (retorno dos fluxos de caixa sobre o investimento), earnings yield (retorno sobre os lucros) e/ou FCF yield (retorno sobre o fluxo de caixa livre) e comparar com o rendimento dos títulos. Ou seja, se títulos de dívida lhe pagariam no máximo 5% ao ano e o FCF yield da empresa está em 8% (e supõe-se que dessa forma continuará, é claro), isso te dá um retorno 3% superior todos os anos, e ainda por cima numa empresa de altíssima qualidade, que pode facilmente continuar crescendo seus fluxos de caixa ao longo do tempo.
Porém, se você estiver errado sobre a qualidade duradoura da empresa, os fluxos de caixa se reduzirão no futuro e o
FCF yield cairá, podendo passar a ser inferior aos rendimentos dos títulos e se tornar um mau negócio no fim das contas. Entendeu como o pilar mais importante é a análise qualitativa e não o valuation (quantitativo)?
Roberto Coutinho